No coração do sertão, onde o tempo parece andar mais devagar e as tradições ainda pesam como correntes invisíveis, Clara levava uma vida simples. Criada entre galinhas, oração e silêncios, ela cresceu sob o olhar severo do pai, Severino, e a quietude resignada da mãe. Era uma menina de olhos doces e passos contidos, acostumada a obedecer — até o dia em que seu destino quase foi selado por um casamento arranjado, e um grito interrompeu tudo no altar.

A família de Clara estava à beira da falência. A granja que sustentava gerações afundava em dívidas. E para Severino, só havia uma saída: casar a filha com Marcelo, um fazendeiro rico, herdeiro de um império agropecuário. Clara não amava Marcelo, mas aprendeu desde cedo que questionar ordens era inútil. Diante do ultimato do pai — “É isso ou a rua” — ela se calou, como sempre, e aceitou.

Nos sete dias que antecederam o casamento, Clara foi como um corpo presente sem alma. Costurava o próprio vestido em silêncio, cuidava das galinhas e tentava engolir o choro que teimava em subir à garganta. Marcelo era um homem correto, e todos o consideravam um bom partido. Mas o coração dela já tinha dono.

O nome dele era Júlio. Um vaqueiro de mãos calejadas, olhos claros e alma livre. Eles se conheciam desde pequenos, mas foi só meses antes que se apaixonaram, numa tarde qualquer, quando ele salvou um bezerro atolado no lamaçal. Desde então, se encontravam às escondidas na cachoeira. Poucas palavras, toques leves — mas entre eles existia uma verdade que Clara não encontrava em mais lugar nenhum.

O amor dos dois, porém, foi descoberto. O sertão vê tudo, e Severino logo soube. O pai proibiu a filha de vê-lo e expulsou Júlio da propriedade com a espingarda nos ombros e ameaças nos lábios. Chamou-o de “ladrão de futuro” e “moleque de roça”. Clara tentou argumentar. Falou do amor. Mas foi em vão.

Dias depois, Júlio sumiu. E Clara, já vestida de noiva, caminhava para o altar com o véu cobrindo não só os olhos, mas também o coração. Até que um grito cortou o ar.

“Clara! Ele voltou!”

Era Júlio. Apareceu de surpresa, diante de todos, suado, nervoso, mas com uma carta nas mãos e uma verdade na garganta.

A confusão foi imediata. O salão gelou. Severino tentou expulsá-lo de novo, mas Júlio exigiu ser ouvido. Declarou seu amor, afirmou que Clara estava sendo obrigada a casar, e contou a verdade que mudaria tudo: a granja não estava à beira da falência. Severino mentiu. Tudo não passava de um pretexto para enriquecer ainda mais casando a filha com um milionário.

O escândalo foi inevitável. Marcelo, atônito, nada disse. A plateia do casamento virou um mar de sussurros e olhos arregalados. Clara, enfim, teve voz: tirou o véu, olhou o pai nos olhos e recusou o casamento.

Saiu dali de mãos dadas com Júlio, para a surpresa de todos.

A história de Clara rodou o povoado por semanas. Alguns a chamaram de louca. Outros de corajosa. Mas uma coisa era certa: ela escolheu amar. Escolheu a si mesma. E, como disse Júlio naquele altar improvisado: “Ter pouco com verdade é melhor do que ter tudo com mentira.”

Hoje, ninguém sabe ao certo onde estão. Dizem que compraram um pedaço de terra longe dali, e que vivem como sempre sonharam: com uma horta, uns bichos, e o cabelo dela solto ao vento.