A chuva batia suave contra o vidro da janela, como se o céu também chorasse. Era uma manhã qualquer, mas para Clara Mendes, cada novo dia era uma batalha silenciosa. Após sete meses enfrentando um câncer agressivo, ela se sentia esgotada. O corpo debilitado, o ânimo ausente e a alma cansada de ouvir que era “uma guerreira”. Sentada na poltrona ao lado da mãe, Clara, ainda jovem, se perguntava se alguém notaria sua ausência, caso ela simplesmente sumisse.

A resposta de Dona Lúcia, mesmo embargada pela dor, foi clara: “Você é meu tudo.” Palavras que, embora sinceras, não conseguiam acalmar o turbilhão que existia dentro da filha.

Naquela mesma semana, Clara visitou a Fundação Vida Plena, uma ONG que oferece cuidados paliativos e apoio emocional a pacientes terminais. Lá, uma campanha simples chamava atenção: “Escreva uma carta para o mundo”. Sem assinatura, sem obrigação. Apenas escreva.

Relutante, ela sentou-se num canto com uma folha branca e uma caneta preta. Sem floreios, desabafou. Falou do cansaço, da náusea constante, da falta de reconhecimento diante do espelho. Mas também falou de sonhos: ver o mar mais uma vez, tomar um café em Campos do Jordão, se perder numa livraria. Terminou com uma frase carregada de melancolia e coragem: “Houve beleza, houve amor, houve eu.”

Dobrou o papel. Entregou. Saiu. Sem olhar para trás.

Do outro lado da cidade, Leonardo Monteiro, um empresário bilionário marcado pela perda precoce da irmã, visitava a mesma fundação. Ele hesitou em entrar — como sempre fazia — mas foi recebido com carinho pela coordenadora. Ao folhear as cartas da campanha, um envelope simples chamou sua atenção. Leu. Parou. Chorou. Era como ouvir a voz de Marina, sua irmã. A dor crua, a honestidade das palavras. Precisava encontrar quem tinha escrito aquilo.

Quando Helena, a coordenadora, ligou para Clara, ela achou que fosse engano. Mas não era. Um doador havia lido sua carta. E queria conhecê-la.

Leonardo não só a conheceu como fez um convite inesperado: realizar seus sonhos. Paris. O mar. Livrarias. Clara hesitou. Mas havia algo naquele gesto — e naquele homem — que mexia com partes dela que pareciam adormecidas há tempos.

Na cidade luz, Clara reviveu pedaços de si que pensava estarem perdidos para sempre. Sentiu o frio do inverno europeu no rosto, percorreu as estantes da livraria Shakespeare and Company como se reencontrasse velhos amigos e viu a Torre Eiffel brilhar ao entardecer. Leonardo estava ao lado dela, em silêncio, respeitando cada passo. Não havia pressa, nem pena. Apenas presença.

Ao voltar, Clara sabia que algo havia mudado. Não o corpo, ainda frágil. Mas a alma, agora inquieta — não pelo medo, mas pelo desejo de viver o que restava com intensidade.

Leonardo continuou presente. Mandava mensagens simples, carinhosas. E propôs um novo desafio: um passeio de balão. A ideia, à primeira vista, pareceu absurda. Mas havia algo libertador naquele convite. E Clara aceitou.

Na manhã do voo, o balão subiu lentamente. Clara olhou o mundo lá de cima e, pela primeira vez em muito tempo, não sentiu dor, medo ou angústia. Apenas vento no rosto. Sol na pele. Paz no coração. Uma mensagem de Leonardo chegou: “Você está mais forte do que imagina.”

Ela fechou os olhos. Respirou fundo. E pela primeira vez, acreditou.