Isabela sempre viveu dentro dos limites seguros que sua fé impunha. Criada em uma família religiosa, ela nunca se permitiu sonhar com o amor da forma como tantas pessoas falavam. Sua rotina era regrada por orações, tardes tranquilas na livraria onde trabalhava e uma vida sem surpresas. O mundo lá fora parecia barulhento demais para alguém como ela, que encontrava conforto apenas entre livros empoeirados e páginas silenciosas.

Nunca havia tido um namorado, nunca fora beijada, sequer se permitia pensar nessas possibilidades. Amor, para Isabela, era algo reservado para depois do casamento — e qualquer coisa fora disso, ela considerava um pecado. Mas tudo começou a mudar naquela tarde comum em que um homem entrou pela porta da livraria.

Felipe. Alto, elegante, com um olhar firme e um sorriso sereno, ele parecia deslocado naquele ambiente simples. Ao pedir ajuda para encontrar um clássico russo, despertou em Isabela algo que ela jamais havia sentido. Seu olhar não era invasivo, mas atento. Sua voz, suave e segura, parecia envolver mais do que as palavras diziam.

À medida que os encontros na livraria se repetiam, Felipe se aproximava de forma sutil, mas firme. Conversavam sobre livros, mas havia algo além das palavras. Ele a elogiava com sinceridade, observava sua maneira de ser, enxergava nela uma beleza rara — não física, mas espiritual. E isso, mais do que tudo, a desconcertava. Isabela se sentia observada de um jeito que nunca havia sido antes. E talvez, pela primeira vez na vida, sentia-se viva.

Quando ele a convidou para jantar, Isabela hesitou. Dentro dela, o conflito era imenso. Aceitar significava quebrar uma regra invisível que guiava toda sua existência. Mas havia algo em Felipe, em seu jeito paciente e respeitoso, que a fazia baixar a guarda. Contra tudo o que acreditava, ela disse sim.

Na noite do jantar, Isabela se arrumou de forma discreta. O restaurante era sofisticado, diferente de tudo que ela conhecia. Mas Felipe a fazia se sentir confortável, como se estivessem apenas em mais uma conversa entre estantes. Ele era gentil, nunca a pressionava — apenas falava, a escutava, e olhava para ela como se visse algo precioso.

Depois do jantar, caminharam pelas ruas tranquilas da cidade. O silêncio era confortável. Até que ele parou, a olhou nos olhos e, num gesto suave, a beijou. Não foi um beijo impulsivo ou forçado. Foi um beijo cheio de intenção, cuidado e intensidade. Pela primeira vez, Isabela sentiu-se tocada não só por alguém, mas também por algo muito maior: o conflito entre seu desejo e tudo o que sempre acreditou ser certo.

O mundo pareceu parar por um instante. Mas logo, a culpa a atingiu como uma onda. Ela recuou, assustada com o que acabara de acontecer. Felipe não insistiu. Apenas a olhou com compreensão e disse: “Você não precisa ter medo.”

Mas o medo era tudo o que restava. Medo de ter traído sua fé, de perder sua identidade, de ter dado um passo do qual não poderia voltar. Isabela voltou para casa em silêncio, carregando um peso que nem os livros mais profundos poderiam aliviar.

Nos dias que se seguiram, tentou se convencer de que aquilo passaria. Mas não passou. O beijo de Felipe havia mexido com algo dentro dela — algo que ela nunca tinha enfrentado: a possibilidade de viver, de sentir, de amar, fora das regras que sempre a protegeram.

Isabela sentia-se dividida. Parte dela queria esquecer, se esconder novamente nos livros, no conforto do silêncio. Mas outra parte, mais forte a cada dia, queria entender o que aquele sentimento significava. Felipe não era apenas um homem. Ele era o símbolo de tudo que ela evitou sentir. E agora, ela precisava escolher entre manter sua zona segura ou descobrir o que existe além do medo.

No fim daquela noite, trancada em seu quarto, Isabela chorou em silêncio. Com os olhos fixos no crucifixo sobre a parede, ela se perguntava: Como seguir em frente quando o coração começa a falar mais alto que a fé?