No fim de uma tarde comum em Nova Iguaçu, um vídeo gravado com o celular virou o Brasil de cabeça para baixo. Em meio à penumbra de um quarto, a voz trêmula de Lidiane Herculano, vendedora de 33 anos, implorava por ajuda após afirmar ter ficado cega temporariamente ao usar um produto de beleza. Bastaram segundos para o vídeo se espalhar feito rastilho de pólvora, e o nome por trás do produto — a influenciadora Vandínia Fonseca — entrou no centro de um furacão midiático.

Lidiane relatava ter aplicado o sérum fortalecedor de cílios da marca Webink, linha assinada por Vandínia, pouco antes de sair para o trabalho. Logo após o uso, sentiu uma leve ardência, que em questão de segundos virou uma sensação de que seus olhos estavam pegando fogo. A visão foi ficando embaçada, as cores desapareceram e, em minutos, tudo se tornou um branco denso. Levado às pressas ao hospital pelo marido, o diagnóstico foi direto e assustador: queimadura química na córnea.

Foram cinco dias sem enxergar absolutamente nada. Depois, mais uma semana vendo apenas vultos sob intensa dor e sensibilidade à luz. Uma rotina que virou pesadelo, interrompeu sua vida profissional, gerou crises de pânico e, mais do que isso, colocou em xeque algo que parecia inquestionável: a confiança entre consumidores e criadores digitais.

Do outro lado, a resposta da marca veio rápido, mas não como o público esperava. Em nota, a assessoria de Vandínia informou que o produto havia passado por testes dermatológicos e oftalmológicos, e que mais de 1,5 milhão de unidades haviam sido vendidas sem incidentes graves. Reforçaram que cada embalagem alerta para o teste de sensibilidade e o cuidado com o contato direto com os olhos. Anunciaram ainda que cobririam todos os custos médicos de Lidiane. Mas, para quem esperava empatia, a frieza da nota técnica soou insensível.

As redes sociais reagiram como um organismo vivo: hashtags como #WePingExplique e #VisãoEmRisco dominaram os trending topics. A pressão sobre Vandínia explodiu. Influenciadora com mais de 45 milhões de seguidores, ela apareceu nas redes com o rosto limpo, olhos inchados e discurso comovido. Disse jamais ter imaginado causar dor a alguém com um produto seu e prometeu revisar todo o processo de fabricação. Parte do público se comoveu. Outra parte seguiu desconfiada.

A situação ganhou novas camadas quando análises técnicas revelaram que a fórmula do produto incluía um análogo de prostaglandina — substância comum em produtos para crescimento de cílios, mas que, em concentrações elevadas ou mal acondicionada, pode ser altamente irritante. A principal suspeita? O calor. Frascos expostos a temperaturas acima de 40 °C durante o transporte teriam sofrido instabilidade de pH, o que pode ter transformado um produto seguro num risco químico.

A marca anunciou o recolhimento de três lotes, ofereceu reembolso total e começou a estudar novas embalagens térmicas. Para alguns, atitude responsável. Para outros, reação tardia. Enquanto isso, marketplaces registraram um aumento de 60% nos pedidos de devolução. Lojas físicas lidaram com consumidores aflitos. Outras influenciadoras, com medo de serem “canceladas”, removeram vídeos patrocinados e pausaram parcerias.

No meio desse furacão, Lidiane seguia lutando. Sem conseguir trabalhar, acumulando dívidas, e ainda em recuperação, acionou um advogado. O pedido de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes pode ultrapassar R$ 500 mil. A Defensoria Pública também entrou em campo, oferecendo apoio a consumidores com reações adversas — ainda que menores — para mapear possíveis subnotificações.

Os laudos preliminares afastaram contaminação bacteriana, mas confirmaram instabilidade de pH em frascos expostos a calor. Isso não aponta culpados diretos, mas mostra que vários fatores — da fórmula à logística — podem se combinar e gerar um acidente com graves consequências.

Hoje, Lidiane já recuperou cerca de 95% da visão, mas segue com acompanhamento oftalmológico. Vandínia, por sua vez, retomou suas postagens, intercalando campanhas com vídeos sobre segurança cosmética e entrevistas com especialistas. Está tentando reconstruir a confiança de um público que se sentiu traído.

O caso segue nos tribunais e nas redes. Mais do que um alerta sobre a segurança dos cosméticos, ele escancara um dilema moderno: até onde vai a responsabilidade de quem transforma seguidores em consumidores? Qual o custo do glamour quando a saúde está em jogo?

Uma coisa é certa: por trás de cada frasco bonito e promessas de beleza instantânea, há uma responsabilidade que não pode ser maquiada. O caso de Lidiane não é apenas sobre um erro. É sobre como a indústria da influência precisa olhar, com mais seriedade, para quem acredita nela de olhos fechados.